terça-feira, 7 de abril de 2009

REQUIEM POR UMA TORRE OU O ILHÉU, AS MOSCAS E O HOMEM DAS PENEIRAS

A casa do meu avô, virada a oeste, tinha uma vista privilegiada para o “ilhéu grande” a que outros chamam “das cabras”. Era para lá que meu avô dirigia o olhar quando, logo aos primeiros alvores da manhã, dava inicio à sua rotina diária invariavelmente preenchida com actividade agrícola. Desse olhar dependia a organização dos afazeres: se as “grotas” do ilhéu “luzissem” era previsível que, mais hora menos hora, chovesse. Esta previsão podia ser corroborada pela minha avó que, já de véspera, havia notado que as moscas andavam “pegajosas” ou que o lume não queria pegar.
Não vou garantir, porque não me lembro, se estas previsões eram mesmo infalíveis. Agora o que posso afiançar é que se a tudo isto se juntasse o pregão “meeerca as peneeeiras” aí já não restavam dúvidas: era chuva de os cães beberem em pé.
Nunca cheguei a saber que pacto é que o “homem das peneiras” tinha com S. Pedro. Como também não sei se só funcionava quando vinha da Agualva ao Porto Judeu vender aquilo que ele próprio fabricava.
O “homem das peneiras” morreu, julgo eu, sem deixar quem o substituísse neste serviço de utilidade pública, as moscas foram dizimadas pelo DDT dos americanos e o petróleo, primeiro, depois o gás, vieram apagar as últimas brasas do fogão da minha avó. Só resta o “ilhéu” como memória desta sabedoria que a ciência não consegue explicar.
Até ao dia em que alguém o mande derrubar.

1 comentário:

Likas disse...

Gostaria de continuar a ler estas memórias...sou fã deste tipo de escrita, destas lembranças que não vivi.
Não conheci o homem das peneiras, nem o fogão a petróleo. Restam-me algumas moscas sobreviventes ao DDT e o ilhéu.... sim, esse espero que ninguêm se lembre de "botar" abaixo.

Beijinhos,
Lília